EMPRESAS VENDERAM MESMOS LOTES PARA DIFERENTES COMPRADORES EM GUARATUBA II E SÃO INVESTIGADAS PELOS MP E POLÍClA

De acordo com os autos do processo, cerca de 100 lotes foram vendidos entre as décadas de 1970 e 1980 pelas empresas “Guaratuba Empreendimentos S/C Ltda.”, “Benedito Ferri Empreendimentos e Participações Ltda.”, “Transurb” e “BFBA Desenvolvimento Imobiliário S/A”

O Ministério Público de São Paulo solicitou que a Polícia Civil de Bertioga apure denúncias de venda em duplicidade de lotes no Loteamento Guaratuba II, no Bairro Guaratuba, região norte da cidade, que estariam sendo praticadas pela Associação dos Amigos de Guaratuba em conluio com a Guaratuba Empreendimentos S/C Ltda. (empresa que implantou o loteamento), além de alguns corretores de imóveis que atuam naquela localidade também em envolvimento.

De acordo com os autos do processo, cerca de 100 lotes vendidos entre as décadas de 1970 e 1980 pelas empresas “Guaratuba Empreendimentos S/C Ltda.”, “Benedito Ferri Empreendimentos e Participações Ltda.”, “Transurb” e “BFBA Desenvolvimento Imobiliário S/A” (que supostamente fazem parte de um mesmo grupo empresarial), foram expropriados através de acordo celebrado na Justiça de forma suspeita entre a Loteadora Guaratuba Empreendimentos e a Associação dos Amigos de Guaratuba, sendo comercializados pela segunda vez sem que os primeiros compradores tomassem ciência do referido ato judicial.

SERIA UM GOLPE?

À época dos fatos, as vendas dos lotes foram firmadas por meio de escrituras públicas de Compromisso de Venda e Compra (em caráter de irrevogabilidade e irretratabilidade) e os documentos foram lavrados em cartório de notas do município de São Paulo, mas não chegaram a ser oficializados no Cartório de Registro de Imóveis de Santos, procedimento que garantiria a transmissão do direito de propriedade aos compradores. Desse modo, juridicamente, a Guaratuba Empreendimentos continuou constando nesta repartição como sendo a proprietária dos lotes. Porém, a negociação foi comunicada na prefeitura de Bertioga, onde foram emitidas as certidões de dados cadastrais do imóvel para a municipalidade cobrar o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) dos respectivos compradores.

Ocorria que os compromissos de Venda e Compra indicavam também em uma das cláusulas que, ao adquirir um lote, o comprador automaticamente tornava-se membro da Associação dos Amigos de Guaratuba (organização essa que teria sido criada pela própria Guaratuba Empreendimentos e gerenciada por pessoas supostamente ligadas à loteadora). De posse dos dados cadastrais desses proprietários, a associação emitia os boletos de cobrança das contribuições condominiais para manutenção dos serviços realizados no loteamento. O pagamento das mensalidades dos lotes que ainda não haviam sido vendidos, ficou sobre a responsabilidade da Guaratuba Empreendimentos até que as vendas dos mesmos ocorressem. Mas a empresa teria encerrado as atividades dentro do loteamento no ano de 1991, sem pagar nenhuma das taxas cobradas pela associação.

Em 2006, a Associação dos Amigos de Guaratuba entra com várias ações na Justiça contra a Guaratuba Empreendimentos para cobrar as contribuições condominiais que não foram pagas pela loteadora. Como no Cartório de Registro de Imóveis de Santos, a Guaratuba Empreendimentos aparece como proprietária dos 100 lotes que, apesar de vendidos, estavam inadimplentes e (por algum motivo) ainda não haviam sido ocupados pelos adquirentes. A empresa ficou sendo responsável pelo pagamento da dívida. A loteadora contesta as ações de cobrança alegando já ter comunicado a Associação dos Amigos de Guaratuba sobre a comercialização desses espaços, mas declara não possuir mais os compromissos de venda e compra da negociação, o que comprovaria a sua defesa.

A Associação dos Amigos de Guaratuba comunica a justiça que desconhece a venda dos lotes e insiste que a dívida deve ser paga pela loteadora. A demanda entre as partes dá origem a um acordo judicial homologado em 2016 (processo n° 2.178/06, da 1ª Vara do Foro de Bertioga), onde, para quitar a dívida das taxas associativas atrasadas, a Guaratuba Empreendimentos transfere para a associação os direitos de propriedade dos 100 lotes que já não mais pertenciam à empresa. O acordo é assinado pelo então presidente da Associação dos Amigos de Guaratuba Wadi José Mourão Cury (que apresentou carta de demissão do cargo no último dia 22, sexta-feira) e por um representante da loteadora, o advogado Alfredo Labriola, falecido em 2010.

Na denúncia de suposto estelionato feita ao MP, consta no processo que a Associação dos Amigos de Guaratuba chegou a emitir boletos em nome dos primeiros compradores até meados de 2006, o que comprovaria que a organização tinha ciência de que os lotes não pertenciam mais a Guaratuba Empreendimentos. Na época, o edital de comunicação do acordo judicial entre autor e réu foi publicado em jornal de Santos, ao invés de jornal de grande circulação em São Paulo, Capital, onde residiriam mais de 80% dos proprietários originais.

O bairro Guaratuba fica localizado na região norte de Bertioga

A SEGUNDA VENDA

Em 2008, a Associação dos Amigos de Guaratuba autoriza a Guaratuba Empreendimentos a comercializar os lotes obtidos no acordo judicial antes mesmo de serem expedidas as cartas de adjudicação, documentos que seriam emitidos apenas entre 2016 e 2017, repassando para a empresa 15% do valor da negociação de cada unidade e 20% desse percentual para ser dividido entre os advogados das partes, totalizando assim 35% do valor das vendas. Estima-se que os lotes foram negociados com preços entre R$ 76 mil e R$ 190 mil (lado Serra) e de mais de R$ 1 milhão (lado praia), parcelados em 36 vezes, sem entrada e com taxas de juros permitidas por lei.

Interessada na rapidez das vendas, a diretoria da Associação dos Amigos de Guaratuba emitiu circular na época oferecendo aos associados adimplentes a preferência na compra dos lotes, que seriam negociados a eles pelo preço de mercado. A proposta de venda acabou gerando desconfiança em um dos associados que, ao saber a forma como os lotes foram adquiridos pela associação e conhecendo alguns dos proprietários originais, entrou em contato com os mesmos. É a partir daí que o Ministério Público toma conhecimento dos supostos crimes de venda em duplicidade de lotes e pede que a Polícia Civil investigue o caso, sendo instaurado em seguida inquérito policial para investigar suposto crime de estelionato. No processo é juntado mais de 50 certidões de Cadastro do Imóvel, onde constam os dados dos primeiros compradores dos lotes adjudicados em favor da associação, que começam a aparecer munidos dos contratos de compromisso de compra e venda para reclamarem seus direitos e pedirem na justiça a anulação do malsinado acordo. No caso, alguns deles já estariam conseguindo recuperar a posse dos lotes na justiça.

As áreas onde estão localizados esses lotes supostamente vendidos pela segunda vez, sofreram embargo da justiça em 2010 (lado da praia) e 2014 (lado sentido Serra), impossibilitando os novos compradores de desmatarem os espaços para construir.

Os envolvidos estariam sendo denunciados novamente ao Ministério Público por “prática de crime continuado”, pois estariam desencadeando mais 14 lotes para um novo acordo de adjudicação, sem a aprovação da assembleia de moradores do loteamento. A polícia prossegue com as investigações e se prepara para ouvir os depoimentos dos responsáveis pela Associação dos Amigos de Guaratuba, da Guaratuba Empreendimentos, de alguns corretores de imóveis e de primeiros e segundos compradores dos referidos lotes. Alguns dos proprietários originais já teriam prestado depoimento à polícia e aguardam a sentença de reversão das adjudicações.

O EXTRA tentou contato por telefone com os responsáveis pela Associação dos Amigos de Guaratuba ontem, dia 9, terça-feira. No período da manhã, às 11h44, o funcionário de nome Cristiano pediu que a reportagem ligasse no período da tarde para falar com a gerente da associação, Rosangela Aparecida Codo, também conhecida por Rose. Às 16h02 tornamos a ligar para a associação, o funcionário de nome Hugo atendeu a ligação e disse que a gerente não se encontrava naquele momento e que não retornaria mais ao local porque o expediente encerraria às 17 horas. E que ele não poderia falar pela associação. A pedido do funcionário Cristiano, o EXTRA deixou o número do telefone para contato, no entanto, não obteve retorno até a última atualização deste texto.