THALITA WALPERES E A LUTA CONTRA O MACHISMO VELADO NA SEGURANÇA PÚBLICA

SECRETÁRIA DE BERTIOGA ENFRENTA DESAFIOS DE UMA PASTA COMPLEXA E TAMBÉM O JULGAMENTO INJUSTO DE UMA SOCIEDADE AINDA REGIDA POR UM SISTEMA PATRIARCAL

Thalita Walperes, secretária de Segurança e Mobilidade Urbana de Bertioga, comanda uma das pastas mais desafiadoras da cidade com firmeza, presença ativa nas ruas e protagonismo feminino em um setor historicamente masculino

A história das mulheres é, também, a história de uma resistência. Resistência à exclusão, à subestimação e, sobretudo, à ideia persistente de que certos lugares não lhes pertencem. Ainda que tenham conquistado o direito ao voto, ao diploma universitário, ao mercado de trabalho e, aos poucos, aos cargos de liderança, elas ainda carregam o fardo da dúvida: será que são mesmo capazes? Quando falamos da presença feminina em áreas tradicionalmente masculinas — como a segurança pública — a pergunta, infelizmente, ecoa ainda mais alto.

Thalita Walperes, atual secretária de Segurança e Mobilidade Urbana de Bertioga, sabe exatamente o peso dessa dúvida disfarçada de crítica. Advogada, pós-graduada, com trajetória sólida e uma dedicação visível no cargo, ela ocupa uma posição que, por décadas, foi exclusivamente masculina. E, por ocupar esse espaço, tornou-se alvo de ataques — muitos deles travestidos de preocupações legítimas com a segurança pública, mas que, na verdade, escancaram o incômodo de parte da sociedade com o protagonismo feminino.

NÃO É SOBRE A CIDADE. É SOBRE O GÊNERO.

É evidente que a segurança em Bertioga — como em boa parte do país — enfrenta desafios. Furtos, roubos e outros crimes urbanos fazem parte da nova paisagem de uma cidade que cresceu vertiginosamente desde os anos 1990, mas manteve quase o mesmo efetivo policial militar daquele período. A diferença é que, agora, os desabafos vêm em forma de lives nas redes sociais, vídeos de indignação e comentários inflamados que, invariavelmente, apontam um único “culpado”: a secretária.

Não se trata aqui de blindá-la a críticas — elas são legítimas quando construtivas. O problema é que muitas das críticas que Thalita recebe têm menos a ver com sua gestão e mais com seu gênero. E isso, infelizmente, não é exclusividade dela. Mulheres que se aventuram em espaços de poder ainda sofrem represálias que homens em posições semelhantes dificilmente enfrentariam. Pior: essas críticas, muitas vezes, vêm de outras mulheres, ensinadas desde cedo a desconfiar umas das outras, numa lógica de competição imposta por uma cultura machista.

A VIOLÊNCIA QUE CRESCEU, O SISTEMA QUE NÃO ACOMPANHOU

É preciso ser honesto: a violência urbana em Bertioga não começou com Thalita. Casos de furtos de celulares em pontos de ônibus, de bicicletas em frente a hospitais, ou de abordagens em calçadas movimentadas, vêm se repetindo há pelo menos uma década. Quando ainda havia mais peixe do que gente nos bairros centrais e quando segurança pública era sinônimo de uma delegacia no centro da cidade, já havia relatos de crimes pontuais. A diferença é que, agora, a cidade cresceu — e com ela, a complexidade dos problemas.

O número de habitantes aumentou quase dez vezes desde 1992, mas o contingente policial praticamente não se alterou. A estrutura da Guarda Civil Municipal foi criada e equipada, é verdade, mas a demanda extrapola sua capacidade. Ainda assim, é inegável que, sob a gestão de Thalita, houve avanços: aquisição de armamentos modernos, ampliação da GCM, integração com sistemas de monitoramento estadual e articulação constante com o Governo do Estado em busca de mais efetivo.

O JULGAMENTO É MAIOR QUANDO QUEM DECIDE É MULHER

Mesmo com tudo isso, o debate gira em torno do fato de Thalita ser mulher. O discurso, muitas vezes, não é direto — mas é perceptível: “Falta pulso”; “não tem presença”; “não impõe respeito”. Todos esses códigos verbais têm algo em comum: não seriam usados com a mesma frequência contra um homem, ainda que com menos currículo ou resultados. Pior que a crítica direta é a campanha velada, como a de um ex-vereador que declarou “nada contra o jornal, apenas contra ela” — como se fosse natural desejar derrubar uma gestora pública apenas por discordar de sua presença no cargo.

Aqui, entra outro traço cultural profundamente enraizado no comportamento do brasileiro: a empatia tardia. Só nos revoltamos quando o problema nos atinge pessoalmente. Só cobramos segurança quando somos assaltados. Só nos sensibilizamos com o preconceito quando ele nos alcança ou toca alguém próximo. A injustiça, para muitos, só é real quando nos arde na pele.

CRITICAR É FÁCIL. CONSTRUIR, NEM TANTO.

Aos que se colocam contra a presença de Thalita à frente da segurança de Bertioga, deixo a provocação: se não ela, quem? E mais: por que ela não? A crítica sem proposta é apenas ruído. E ruído, como sabemos, não ajuda a construir uma cidade melhor.

Thalita não é perfeita — nenhum gestor é. Mas é inegável que tem se mostrado corajosa, firme e comprometida. Vai à rua, lidera pessoalmente, articula com o Estado, enfrenta resistências. E ainda lida, diariamente, com o machismo que insiste em lhe lembrar que seu lugar ali “não é natural”.

Mas talvez seja essa mesma coragem — a de ocupar, resistir e avançar — que esteja fazendo história em Bertioga. E que bom que assim seja.

Porque, mais do que uma secretária, Thalita Walperes é um símbolo: o de que as mulheres não apenas podem, como devem estar onde quiserem.

E não cabe a ninguém — nem a vereadores ressentidos, nem a críticos de redes sociais — decidir o contrário.